“O HOMEM, O TEMPO E A VIDA"
O homem entra, pára
e começa a observar.
O quadro na parede
a criança sem expressão
seja de alegria, tristeza
ou outra qualquer.
O ancião sentado
olhar incerto
num incerto futuro
e um certo passado
passados a tanto tempo.
O quadro azul
cor da paz
da canção
do amor
e dos sonhos.
O homem olha
ora um
ora outro
novamente observa
o quadro
o ancião
o quarto.
“É a vida”, pensa.
é o passado esquecido,
o presente sempre presente
com sua força estranha
demonstrando ao mesmo tempo
pujança e decadência
de uma vida que está prestes a desaparecer
como num piscar de olhos.
Observa o quarto azul
“parece o céu”, pensa novamente
se assemelha pela paz que emana
e pela harmonia das cores
que enchem seus olhos de lágrimas.
“O que conquistei?”, começa ele
“O que consegui?”, pensa pensativo
desde que do quadro saí
para caminhar nesta vida sem rumo certo?
Meus anseios foram conquistados
ou me deixei enganar
pelos enganos humanos
sempre presentes em minha volta?
Olha o quadro
volta no tempo
e se vê chorando
o choro mimado
de um garoto tristonho.
“Parece que sofre”.
tenta buscar lá atrás
alguma recordação da infância
que lhe dirá com certeza
a razão daquela expressão.
“Só criança”, pensa.
talvez algum capricho maior desejado
porém negado por razão qualquer.
Mas será que isso se tornou perigoso
a ponto de interferir
na caminhada da vida adulta
ou apenas foi algo momentâneo
e que se desfez
com o passar do tempo
e o crescimento rápido e presente
mudando e modificando
corpo, mente, pensamentos e desejos?
Retrocede mais um pouco
e se vê agachado, espremido e sufocado
como se algo lhe apertasse os sentidos.
É tão pequeno
que mal consegue se enxergar
tal o volume de água
que lhe cobre todo o corpo.
Deseja chorar
pois no sufoco
quer gritar e quer sair
quer viver para o mundo
quer crescer e chorar.
Novamente o choro.
Por quê?
Se tantos riem
se alegram
e respiram felicidades?
Se tantos caminham
engatinham e pulam
de tanta alegria
que transpiram de seus poros?
Sente um impulso forte
a lhe empurrar para a frente
na direção do menino do quadro
que agora demonstra espanto
pela brusca mudança
em suas feições.
“Engraçado”
não demonstra mais tristeza
nem sentimentos guardados
parece olhar o futuro
e mostrar o quanto mudou
e quantas modificações se operaram
desde que abrira corrida
no tempo de sua vida.
O ancião continua sentado, impassível.
Semblante incerto
pois apenas tenta acreditar
nas certezas que o aguardam ansiosas.
Passa o olhar pelo quarto
e novamente o brilho ofuscante do azul
desperta em si
o desejo de ficar
de permanecer ali para todo o sempre
pois não mais temeria sofrimento e angústias
de um longínquo passado.
Passa o dedo pela moldura afora
como se acariciasse seu próprio rosto
num gesto carinhoso
de uma lembrança feliz.
“Fui feliz”
Como era gostoso
correr pelos campos verdejantes
atrás de pássaros e borboletas
que serpenteavam pelas flores primaveris.
Meu primeiro encontro com a escola
minhas bolinhas de gude
meu pião corriqueiro
e a peteca sapeca
pulando feito cabrita
de um lado ao outro.
Belos tempos
belas lembranças
me trazem de volta
o gosto pelas coisas simples e singelas
onde caminhar na chuva
fazia o coração pular descompassado
como se fora a grande aventura da época.
Meus dedos continuam a percorrer o quadro
agora encharcado de lágrimas
que jorram aos borbotões
pelos momentos que acabara de relembrar.
Jogo a tristeza de lado
e me deixo embalar
no embalo da saudade.
Meus olhos pouco veem
e nem quero mesmo enxergar
vivo um tempo que jamais retornará.
Algo me faz voltar
apaga-se a luz da saudade
para deixar penetrar
a chama da realidade.
Volto no tempo presente
e vejo no ancião
pequenos traços
que teimam em modificar-lhe
o semblante.
Seu olhar já não é vago
e de seus lábios brota algo
semelhante a um sorriso.
Sente-se forte, potente
vencedor de lutas difíceis
e batalhas quase intransponíveis
de uma vida longa
que lhe mostrou
que ainda o melhor
é acreditar sempre
e jamais esmorecer.
O homem achega-se a ele
deposita em seu rosto
um beijo molhado
de lágrimas quase
esquecidas pelo tempo.
Sorri.
Um sorriso sincero,
agradecido e feliz
Caminha em direção a porta
olha o quarto pela última vez
despede-se com um aceno
daquele que outrora foi
um retrato na parede de um quarto
e que representou toda uma vida
e que agora descansa
num quarto de azul esperança
cercado de todas as glórias
que conquistou quando aqui vivia.
JC BRIDON